Dia 1 – Relato de Joshua Walker
O sol mal despontava no horizonte, tingindo o céu de um laranja doentio, quando meu carro, como que num último suspiro, parou de vez. Sem combustível. Ótimo. Bem na entrada da maldita Arkham, a cidade que parecia ter emergido dos pesadelos de Lovecraft em pessoa.
Uma névoa espessa, fria e úmida, pairava no ar, envolvendo tudo em um abraço espectral. Ruas desertas, casas que pareciam prestes a desabar sobre si mesmas, e um silêncio perturbador, quebrado apenas pelo grasnar distante de algum corvo agourento.
Deixei o carro para trás, a carcaça metálica parecendo ainda mais deslocada em meio àquele cenário decadente. Precisava encontrar abrigo, e rápido. A atmosfera do lugar gritava perigo, e meus instintos, geralmente ignorados, berravam para que eu desse meia volta e não olhasse para trás.
Caminhei por entre as ruínas, cada passo ecoando na quietude fantasmagórica. Foi então que avistei um grupo reunido em um beco. Fogueira crepitando, sombras dançando nas paredes, sussurros guturais que gelavam o sangue. Pareciam realizar algum tipo de ritual. Um ritual nada convidativo.
Minha presença não passou despercebida. Olhares se voltaram para mim, cheios de desconfiança e algo mais… uma fúria animalesca que me fez agarrar o cabo da minha faca com mais força. Tentei recuar, desaparecer na névoa como um fantasma, mas era tarde demais.
Um deles, rosto contorcido em uma máscara de ódio, avançou. Reagi por instinto. A luta foi brutal, desesperada. Senti o gosto metálico do sangue na boca, o meu e o dele. Quando o último suspiro deixou seus lábios, me vi cercado. Mais sombras famintas, armadas com facas enferrujadas e palavras carregadas de um ódio visceral.
Consegui me afastar, aproveitando a confusão para me apoderar de uma das armas caídas no chão. Um revólver, pesado e frio em minhas mãos. Apontei para eles, um aviso silencioso. Não queriam me enfrentar naquele momento. Recuei lentamente, até que a névoa me engolisse novamente, escondendo-me da fúria animalesca que ardia naqueles olhos.
A prioridade agora era clara: combustível. Sem ele, seria apenas mais uma sombra à deriva em Arkham. Encontrei um posto abandonado, fantasmagórico sob a luz fraca do sol que lutava para romper a névoa. E, por um milagre, encontrei combustível. O suficiente para me levar para longe dali.
Mas Arkham parecia determinada a me testar.
Enquanto voltava para o carro, me deparei com outro grupo. Desta vez, reconheci os trajes esfarrapados e o olhar vazio: os Insanos, almas perdidas vagando sem rumo pelas ruas amaldiçoadas da cidade. Nas mãos, carregavam tochas improvisadas, e no centro daquela macabra roda, um homem se contorcia em pânico. Reconheci o rosto do ritual. Um dos agressores.
Hesitei. Salvá-lo ou condenar a mim mesmo? A razão gritava para que eu seguisse em frente, mas algo me impedia. No entanto, a visão daqueles olhos vazios, desprovidos de qualquer traço de humanidade, me fez recuar. Ele já estava perdido para os encantos malignos dos Antigos. Ali não era o meu lugar. Aquela não era a minha luta.
Contornei o grupo, o cheiro de carne queimada me causava náuseas. Caminhei mais um pouco, cauteloso e encontrei meu carro, um farol de normalidade em meio àquele mar de loucura. Entrei, as mãos trêmulas no volante. Eu só queria sair dali. Liguei o motor, o som rouco era um bálsamo para meus ouvidos.
Enquanto tentava sair de Arkham, as sombras da cidade pareciam se esticar, tentando me agarrar, me puxar de volta para o seu abraço gélido. Foi então que encontrei um galpão decadente na beira da estrada, um abrigo precário para a noite que se aproximava.
Passei uma noite em Arkham, inesperadamente tranquila. Mas eu sabia que isso era apenas a calmaria antes da tempestade.
Amanhã seria outro dia.
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